A Química nas Usinas Termelétricas

Usinas termelétricas são verdadeiras maravilhas da engenharia, nas quais a química desempenha um papel fundamental para garantir eficiência, segurança e conformidade ambiental. Esta seção aborda o tratamento da água bruta, o condicionamento da água de alimentação das caldeiras e a química da água nas torres de resfriamento — processos comuns tanto para usinas a carvão quanto a gás.

Parte 1:Tratamento de Água Bruta: Clarificação, Amolecimento e Filtração

A água captada de rios, lagos ou poços contém partículas, minerais, microrganismos e gases dissolvidos que precisam ser removidos para evitar incrustações, corrosão e incrustações biológicas.

1. Coagulação e Floculação

  • Coagulantes como sulfato de alumínio (alúmen) ou cloreto férrico neutralizam partículas em suspensão.

  • Reação com alúmen:
    Al₂(SO₄)₃ + 6 H₂O → 2 Al(OH)₃ (floco) + 3 H₂SO₄

  • Polímeros auxiliam na formação de flocos.

2. Sedimentação

  • Os flocos se depositam nos decantadores e formam lodo.

3. Filtração

  • Filtros de areia ou multimídia removem a turbidez residual.

4. Amolecimento (se necessário)

  • Utilizado quando há elevada dureza (íons Ca²⁺ e Mg²⁺). Pode-se adicionar cal ou barrilha:

    • Ca(OH)₂ + Ca(HCO₃)₂ → 2 CaCO₃ (precipitado) + 2 H₂O

    • Na₂CO₃ + MgSO₄ → MgCO₃ + Na₂SO₄

Desmineralização da Água de Caldeira e Tratamento Interno

As caldeiras operam em alta pressão e são extremamente sensíveis a incrustações e corrosão. Por isso, a água deve ter pureza próxima de zero em sólidos dissolvidos.

1. Troca Iônica

  • Resinas catiônicas trocam Ca²⁺, Mg²⁺, Na⁺ por H⁺

  • Resinas aniônicas trocam Cl⁻, SO₄²⁻, NO₃⁻ por OH⁻

  • H⁺ e OH⁻ se combinam para formar H₂O

2. Osmose Reversa e Eletrodeionização (EDI)

  • Muitos sistemas utilizam membranas seguidas de EDI para polimento final da água.

3. Desgaseificação

  • Equipamentos removem O₂ e CO₂ com vapor.

4. Removedores de Oxigênio

  • Hidrazina (N₂H₄):

    • N₂H₄ + O₂ → 2 H₂O + N₂ (gás)

  • Alternativas: DEHA, carbohidrazida, sulfito de sódio

5. Condicionamento de pH

  • Amônia ou aminas voláteis ajustam o pH para torno de 9–10, prevenindo corrosão.

6. Tratamento Interno da Caldeira

  • Fosfato de sódio precipita cálcio residual:

    • 3 Ca²⁺ + 2 PO₄³⁻ → Ca₃(PO₄)₂ (precipitado)

  • Magnésio precipita como hidróxido:

    • Mg²⁺ + 2 OH⁻ → Mg(OH)₂

  • O lodo é removido por purga (blowdown).

Química das Torres de Resfriamento: Incrustações, Corrosão e Controle Biológico

As torres de resfriamento evaporam água para dissipar calor. A evaporação concentra os sais dissolvidos, o que pode levar à formação de incrustações e bioincrustações.

1. Controle de Incrustações

  • Incrustações comuns: carbonato de cálcio (CaCO₃)

  • Fosfonatos e polímeros inibem crescimento de cristais.

  • Ácido sulfúrico pode ser usado para reduzir o pH.

2. Inibição de Corrosão

  • Zinco e ortofosfato formam filmes protetores.

  • Alternativas modernas: molibdato, nitrito

  • pH mantido entre 7,5 e 9

3. Prevenção de Bioincrustações

  • Biocidas oxidantes: cloro, bromo

  • Biocidas não oxidantes: glutaraldeído, isotiazolinonas

  • Dispersantes eliminam lodo biológico

4. Gestão de Blowdown

  • Remoção periódica da água concentrada

  • Água nova (makeup) repõe perdas por evaporação e blowdown

Parte 2: Proteção de Tubos de Caldeira, Redução de NOₓ e Tratamento do Carvão

Proteção dos Tubos da Caldeira

Mesmo pequenas impurezas podem causar danos severos em ambientes de alta temperatura. Estratégias principais incluem:

1. Removedores de Oxigênio

  • Hidrazina e outros agentes redutores removem O₂ residual e passivam as superfícies metálicas.

2. Controle de Alcalinidade

  • O pH é mantido por amônia ou sistemas de fosfato para prevenir corrosão ácida.

3. Programas de Fosfato e Polímero

  • Precipitam íons de dureza em forma de lodo não aderente, evitando incrustações.

4. Aminas de Filme

  • Aplicam revestimentos hidrofóbicos nas linhas de vapor e condensado, reduzindo a corrosão.

Redução de NOₓ em Usinas a Gás: SCR (Redução Catalítica Seletiva)

Sistemas SCR são amplamente utilizados em usinas a gás para reduzir óxidos de nitrogênio:

1. Injeção de Amônia ou Ureia

  • Amônia (NH₃) ou ureia decomposta termicamente é injetada a montante do catalisador.

2. Reação Catalítica

  • A cerca de 300–400°C, NH₃ reage com NOₓ em um catalisador (normalmente à base de vanádio):

    • 4 NO + 4 NH₃ + O₂ → 4 N₂ + 6 H₂O

3. Controle de "Ammonia Slip"

  • A dosagem de amônia é ajustada para minimizar NH₃ não reagida no escapamento.

Sistemas SCR podem atingir até 90% de redução de NOₓ, sendo fundamentais para a conformidade ambiental.

Química do Carvão Pré-Combustão

O carvão pode conter impurezas como enxofre, cinzas e metais traço. O tratamento inclui:

1. Lavagem

  • Métodos físicos como ciclones de meio denso ou jigagem removem rochas e enxofre pirítico.

2. Flotação por Espuma

  • Carvão fino é separado de minerais usando surfactantes.

3. Secagem e Pulverização

  • Aumenta a taxa e uniformidade da combustão.

4. Aditivos

  • Certos aditivos ligam enxofre ou mercúrio durante a queima, reduzindo emissões.

A pré-limpeza do carvão melhora a eficiência da combustão e reduz as cargas de SO₂ e cinzas nos equipamentos de controle de poluentes a jusante.

Parte 3: Dessulfurização de Gases e Tratamento de Efluentes

Dessulfurização de Gases de Combustão (FGD)

Usinas termelétricas a carvão emitem dióxido de enxofre (SO₂) ao queimar combustíveis contendo enxofre. Para capturar esse poluente antes de sua liberação, utiliza-se a dessulfurização úmida de gases de combustão (Wet FGD):

1. Absorção com Calcário ou Cal

  • O SO₂ é absorvido por uma suspensão aquosa de calcário (CaCO₃) ou cal (Ca(OH)₂):

    • CaCO₃ + SO₂ → CaSO₃ + CO₂

    • Ca(OH)₂ + SO₂ → CaSO₃ + H₂O

2. Oxidação para Gesso

  • O sulfito de cálcio (CaSO₃) é oxidado com ar para formar gesso (CaSO₄·2H₂O):

    • CaSO₃ + ½ O₂ + 2 H₂O → CaSO₄·2H₂O

O gesso pode ser desaguado e vendido para fabricação de drywall.

3. Controle de pH

  • O pH do reator é mantido entre 5 e 6 para otimizar a absorção de SO₂ e evitar incrustações.

Tratamento de Lodo e Efluentes da FGD

O sistema FGD gera grande volume de lodo contendo sólidos dissolvidos e suspensos:

1. Separação Sólido-Líquido

  • Clarificadores ou centrífugas separam o gesso do líquido.

2. Remoção de Metais Pesados

  • Cal (Ca(OH)₂) ou soda cáustica (NaOH) elevam o pH, precipitando metais como arsênio, selênio e mercúrio.

    • Exemplo: As³⁺ + 3 OH⁻ → As(OH)₃ (precipitado)

3. Precipitação por Sulfetos

  • Reagentes com sulfeto (ex: Na₂S) formam sulfetos metálicos insolúveis.

4. Coagulação e Floculação

  • Cloreto férrico ou polímeros ajudam na formação de flocos sedimentáveis.

5. Filtração

  • Filtros multimídia capturam sólidos remanescentes.

6. Tratamento Biológico

  • Reatores anóxicos reduzem selenato a selênio elementar e nitrato a N₂.

7. Etapas de Polimento

  • Incluem carvão ativado e decloração, garantindo que a água esteja dentro dos padrões legais de descarte.

Gestão de Resíduos e Conformidade Ambiental

  • Reutilização ou Destinação do Gesso: O gesso desaguado pode ser comercializado ou disposto em aterros controlados.

  • ZLD (Descarga Líquida Zero): Algumas usinas usam evaporadores e cristalizadores para recuperar água e gerar apenas resíduos sólidos.

  • Monitoramento Ambiental: Efluentes finais são monitorados quanto a pH, sólidos dissolvidos totais (TDS) e metais traço, conforme exigido por órgãos ambientais.

Conclusão

Enquanto usinas a gás concentram seus esforços na redução de NOₓ, as usinas a carvão enfrentam desafios adicionais relacionados a SO₂, cinzas e águas contaminadas. A química é a base de todas as soluções utilizadas — seja na purificação de água, controle de emissões ou tratamento de resíduos — demonstrando seu papel indispensável na transição para um sistema energético mais limpo e seguro.

Previous
Previous

A Química da Captura de CO₂ em Usinas Termelétricas: Um Mergulho na Lavagem com Aminas Pós-Combustão

Next
Next

Tarifas e Transformadores: Como a Política Comercial dos EUA Está Remodelando a Infraestrutura Energética na Era da IA